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Coluna Ligia Fascioni | WTF?
13 de Março de 2019

Coluna Ligia Fascioni | WTF?

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Eu me lembro muito do nome Tim O’Reilly porque a editora dele foi responsável pela publicação da maioria dos livros de programação e tecnologia da informação que li e consultei na vida. Nos anos 80, 90 e 2000, quase toda a literatura da área vinha dessa que foi a primeira grande editora especializada no assunto que se tem notícia.

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Daí que esse senhor, que carrega praticamente toda a história da computação e da informática (ainda se chama assim?) nos ombros, resolveu publicar um livro não técnico, falando sobre como ele imagina que será o futuro.

 

Uma das grandes sacadas é o próprio nome: “WTF: What’s the future and why it’s up to us” (Tradução livre: “WTF: Qual é o futuro e porque ele depende de nós“). É que WTF é uma expressão em inglês que significa “What The Fuck?”; em português penso que a tradução que mais se aproxima é “Que porra é essa?”. Pois ele usa WTF como acrônimo de “What the Future?“, (que, no final das contas, significa, usando um pouquinho de humor e licença poética, quase a mesma coisa…rs).

 

O’Reilly diz que a maioria das pessoas se refere a ele como sendo um futurista, mas ele próprio prefere se considerar um “fazedor de mapas”. Ele desenha um mapa do presente que faz com que seja possível ver as possibilidades do futuro, mostrando onde estamos e para onde podemos/queremos ir. Ele cita uma frase de Edwin Schlossberg que também gostei muito: “a habilidade de escrever é criar um contexto em que as outras pessoas possam pensar“. Dessa maneira, Tim considera seu livro como sendo um mapa.

 

O autor lembra que mapas podem estar errados e é perigoso seguir cegamente o GPS (todo mundo conhece casos em que essa prática não deu muito certo e até foi fatal). Também não ajuda navegar com mapas desatualizados ou ruins/incompletos, sem os detalhes essenciais ou com informações trocadas. Em tecnologia, desenhar mapas (ou representações abstratas da realidade) é uma tarefa difícil porque a maior parte das variáveis é desconhecida. Cada desenvolvedor, empreendedor, inventor ou explorador tenta desenhar mentalmente seu mapa da melhor maneira possível para seguir adiante.

 

O’Reilly lembra a frase de Mark Twain, que dizia que “a história não se repete, mas frequentemente rima“. Assim, estudar história é um pouco como tentar identificar e registrar padrões como forma de tentar desenhar o futuro.

 

Aliás, o livro e cheio de frases inspiradas. Sobre ficção científica, tem uma frase maravilhosa do escritor William Gibson que diz: “O futuro já está aqui. Ele só não foi distribuído ainda”. Tim ensina que o que a gente precisa fazer é entender que o futuro já está aqui, sim, encontrar as suas sementes, estudá-las e se perguntar como as coisas seriam se esse futuro fosse normal. O que aconteceria se essa tendência identificada como futuro fosse seguida?

 

Ele fala da miopia das pessoas quando num dos primeiros eventos que organizou sobre Open Source, perguntou para a plateia quantas pessoas usavam Linux (um sistema operacional aberto) e somente poucas levantaram a mão. Então ele perguntou quantas usavam o Google. Todas levantaram a mão, sem saber que o Google foi construído sobre Linux; portanto, todas o usavam. A conclusão dele: “A maneira como você vê o mundo limita o que você pode ver”.

 

O sujeito é cheio das grandes sacadas e de uma visão realmente ampla; ele conta que, num dos eventos, Clay Shirky mostrou a evolução dos sistemas de computadores ao rebater aquela clássica frase do presidente da IBM, Thomas Watson, que, em 1943, disse que o mercado mundial de computadores podia ser de, no máximo, cinco máquinas. Clay disse: “mas é claro que Thomas Watson estava errado. Ele contabilizou quatro computadores a mais”. Diante da surpresa da platéia, ele completa: “Caso vocês não tenham se dado conta, tecnicamente todos os computadores estão interligados. Hoje só existe UM computador. A rede é o computador.

 

O’Reilly passa a primeira parte do livro descrevendo os highlights da história da qual ele mesmo foi um dos protagonistas; ele conta inúmeras curiosidades e como as coisas foram evoluindo até chegarem no que são hoje, ou seja, ele vai construindo o prometido mapa apresentando e comparando modelos de negócios, tecnologias, plataformas, sempre lembrando que não existe apenas um futuro possível, mas vários e diferentes recortes, leituras e possibilidades.

 

Na parte dois, o autor apresenta o que ele chama de “Plataforma do Pensamento”. Na verdade, entendo que esse capítulo fala mais sobre liderança e sobre como não se tem controle de tudo, mas se pode influenciar muito. A frase Lao-Tsu que abre o capítulo resume bem a ideia: “Quando o melhor líder lidera, as pessoas dizem que fizeram tudo sozinhas por elas mesmas”. O’Reilly fala também sobre a imensa vantagem da descentralização dos sistemas; que agora estamos todos dentro dos aplicativos, ajudando-os a construí-los. Ele também apresenta a ideia de governos como plataformas e mais um monte de exemplos interessantíssimos.

 

A terceira parte fala do mundo governado por algoritmos, dos desafios da regulação, do papel dos sensores, da sociedade vigiada, do mundo com empregos parciais, o papel da mídia e sua influência da construção da verdade (e da mentira).

 

A quarta parte fala sobre o futuro e do quanto ele depende de nós. O resumo fica por conta da frase de Alan Kay: “A melhor maneira de predizer o futuro é inventá-lo”. Aqui O’Reilly se concentra na economia e suas regras, e da importância de fazer as perguntas certas. Fala também do futuro do trabalho, da remuneração e sobre como as regras precisam ser reescritas para esse novo mundo que está vindo e que não consegue ser mais regulado pelas atuais. Discorre sobre as plataformas digitais e seu impacto na economia, sobre novas formas de empreender, sobre medir o valor da criação, da necessidade de reinventar a educação, sobre se ocupar com as coisas que realmente importam e sobre criar valor, entre outros temas.

 

É um livro denso, cheio de informações e muito, muito útil. Recomendo fortemente.

 

 

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